Alguns desafios da Agroecologia

por Francisco Pontes de Miranda Ferreira (Chicão)

A chamada “revolução verde” investiu na direção das sementes melhoradas e junto com isso um pacote composto por fertilizantes. Os pequenos agricultores foram incentivados aos créditos rurais do governo e dos bancos privados que forçam a compra dos insumos industrializados. Um dos impactos negativos a ser destacado é a uniformidade da produção que acontece hoje em todo o planeta. As culturas geneticamente uniformes são mais suscetíveis às pragas e doenças e dependem dos produtos químicos. Além disso, temos o impacto negativo cultural em que os hábitos populares são eliminados e a alimentação tradicional substituída pelo uniforme e industrial – muito menos saudável. A diversidade, no entanto, é extremamente importante para a segurança alimentar.

A esperança na agricultura científica e tecnológica baseada na indústria logo se demonstrou perigosa com consequências ambientais graves como a perda da fertilidade, a erosão e o assoreamento dos corpos hídricos, a destruição dos nutrientes naturais e, principalmente, a poluição dos recursos hídricos

e o incentivo à expansão urbana e industrial. Os mecanismos naturais de controle, muito mais eficientes, foram destruídos pela agricultura moderna e criamos sistemas altamente dependentes dos agrotóxicos, alterando assim a qualidade da água e dos alimentos com efeitos drásticos na saúde. A contaminação dos aquíferos por nitrato já se tornou uma preocupação mundial, responsável pela difusão de vários tipos de câncer. Os nutrientes lixiviados cheios de fertilizantes estão provocando a intensa proliferação de algas nos rios e lagos da zona rural, impedindo a penetração da luz e prejudicando a vida natural destes corpos hídricos.

Pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) detectou a contaminação por endosulfan, clorpirifós e cipermetrina (agrotóxicos altamente venenosos) nos campos de altitude das Serras da Mantiqueira e dos Órgãos na Mata Atlântica. Os venenos chegam pelo vento e pela chuva e se concentram no frio da altitude. Fato que comprova o perigo dos agrotóxicos se espalharem para territórios distantes. Nesse caso, os produtos químicos ameaçam áreas preservadas como parques nacionais e estaduais (O Globo, 3/9/2016).

A agricultura brasileira, a partir dos anos 1960, se desenvolveu com a aliança de setores conservadores da sociedade que sempre dominaram o campo em parceira com as empresas agroquímicas, o comércio de máquinas agrícolas e o Estado. Fato que fortaleceu o agronegócio – predatório e excludente. Os ciclos da cana, do café, da borracha, da soja continuam sendo repetidos no cenário da economia brasileira e de forma muito semelhante em toda a América Latina e África. O agronegócio exerce pressão social e econômica nas populações tradicionais e a própria agricultura familiar fica subordinada às cadeias agroindustriais. A dependência de insumos e de equipamentos industriais favorece o setor dos agronegócios e sufoca o pequeno agricultor. O crédito público é vinculado aos sistemas de processamento e de destinação da produção agrícola em grande escala. Uma das graves consequências é o êxodo rural, principalmente de jovens. Outra é o constante endividamento do pequeno produtor.

Trata-se de uma crise global e sistêmica que se junta a uma demanda mundial por alimentos. Acoplado a essa crise vem a questão dos recursos hídricos, da energia e do clima. O agronegócio pode levar o planeta ao caos. Novas formas de organização necessitam se fortalecerem como a agroecologia. Necessitamos resgatar a riqueza de alguns modelos que valorizam a família camponesa, o local com suas potencialidades específicas, a cooperação e a transparência de conhecimentos.

A agricultura moderna criou a simplificação e a formação de ecossistemas artificiais. A biodiversidade foi drasticamente reduzida.

De fato, as paisagens agrícolas do mundo são destinadas ao plantio de apenas 12 espécies de grãos, 23 espécies de hortaliças e 35 espécies de frutas e nozes. Isso significa que não mais de 70 espécies ocupam 1,44 bilhões de hectares de terras hoje cultivadas no mundo (…). As estimativas indicam que 90% da ingestão de calorias do mundo venham de apenas 30 culturas… (ALTIERI, 2012: 24).

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Alimentos tradicionais presentes nas sociedades são simplesmente eliminados dos cardápios e substituídos por uma mínima variedade de comida fornecidas nos supermercados. Causando, portanto, impactos ecológicos e principalmente sociais de aculturação e homogeneização. O alimento exótico e diferenciado passou a ser privilégio de uma elite e sua origem foi na alimentação popular. A agricultura moderna e industrial faz sua expansão na direção das florestas. Os impactos negativos da agroindústria são nitidamente sentidos no Cerrado e na Amazônia brasileira, nos países asiáticos como Bangladesh, na América Central, nos Estados Unidos e na Europa. Tem seus efeitos negativos também na Mata Atlântica. A monocultura facilita o aparecimento das pragas e acelera os processos erosivos.

Em todo o mundo, 91% dos 1,5 bilhão de terras cultiváveis estão principalmente sob monoculturas de trigo, arroz, milho, algodão e soja (…). Para proteger essas culturas, grandes quantidades de agrotóxicos cada vez menos eficazes e seletivos são jogadas na biosfera acarretando custos ambientais e humanos consideráveis (…). É necessário, portanto, adotar uma abordagem alternativa, que seja baseada em princípios ecológicos e que possa desenhar sistemas agrícolas mais sustentáveis que tirem o máximo proveito dos benefícios da biodiversidade na agricultura (ALTIERI, 2012: 26).

O uso de tecnologias artificiais para a agricultura ganhou nos últimos anos mais um aporte perigoso com o desenvolvimento da biotecnologia com destaque para os transgênicos. Isso significa mais investimentos nos interesses privados de grandes aglomerados multinacionais, mais industrialização e mais agressividade ao ambiente natural e social. Representa também concentração da pesquisa na direção dos interesses das empresas. A biotecnologia está sendo espalhada pelo mundo pelos mesmos grupos que promoveram a chamada “revolução verde”. Podemos citar alguns: Monsanto, Syngenta, Dupont Bayer, Dow, Cargil, ADM. Fato que provoca mais homogeneidade da paisagem e dos alimentos e mais concentração do capital. Além disso, a transferência genética dos Organismos Geneticamente Modificados (OGM) para as florestas apresenta risco em que plantas silvestres podem até entrar em extinção e o equilíbrio biológico dos insetos serem fortemente abalados. O solo também pode ser afetado pelos transgênicos e as toxinas carregadas pela erosão até os corpos hídricos.

A segurança alimentar é colocada em risco com o aumento da dependência dos pequenos agricultores à tecnologia dos transgênicos e dos agrotóxicos. Os impactos na saúde do consumidor são completamente desconhecidos ainda, mas provavelmente serão negativos. O pior de tudo isso é o tratamento da natureza como mercadoria, a concentração da produção dos alimentos no agronegócio e o excesso de consumo de petróleo[1].

A cultura do consumo de combustível desenvolvida ao longo do século XX, principalmente no setor de transportes, tem provocado o aumento da produção de biodiesel. Fato que vem causando a expansão da produção de soja, cana, girassol e dendê. Isso vem sendo uma das principais causas do desmatamento de florestas e da substituição de áreas antes destinadas à produção de alimentos. Só uma mudança cultural e estrutural pode acabar com a demanda de combustíveis. A proposta de substituir os combustíveis fósseis por agrocombustiveis pode se tronar um desastre social e ambiental de altas proporções. Novas formas de cidades e de transportes necessitam ser pensadas e implantadas.

Mesmo com todo o poder da agroindústria e do agronegócio, segundo a Organização para Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO) a agricultura orgânica cresce no mundo e hoje supera 24 milhões de hectares (ALTIERI, 2012: 58). Na Europa a agricultura orgânica se expande aceleradamente e os consumidores estão cada vez mais exigentes e nos EUA dobrou desde os anos 1990.

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A principal tática no momento é a organização de consumidores e produtores no desenvolvimento de redes contra o agronegócio e a favor da agricultura familiar, dos produtos tradicionais, da agroecologia, da alimentação saudável. Temos também que afastar os investimentos das pesquisas públicas a favor das empresas e levarmos em consideração a grave crise energética que estamos favorecendo ao incentivarmos a indústria do petróleo.

A experiência de modelos tradicionais deve ser resgatada para o futuro da agricultura. É o caso do exemplo dos ejidos do México. Trata-se de organizações camponesas resultantes da Reforma Agrária do México em 1917.

Na maioria dos sistemas diversificados desenvolvidos por pequenos agricultores, a produtividade em termos de produtos colhidos por unidade de área é maior de que nas monoculturas com o mesmo nível de manejo. Essa superioridade de produtividade pode variar entre 20% a 60% e se acentuar em função da redução da incidência de pragas e do uso mais eficiente de nutrientes, água e radiação solar (ALTIERI, 2012: 122).

O ministério da agricultura do Butão informou na cúpula sobre Desenvolvimento Sustentável de 2014 em Nova Deli na Índia que o país proibirá totalmente o uso de agrotóxicos e de pesticidas, sendo o primeiro do mundo a tomar essa medida. O ministro da agricultura do Butão, Pema Gyamtsho, realizou na cúpula um discurso sobre os males dos produtos químicos para a água e o solo e argumentou que o país pretende aumentar as exportações de frutas para China, Índia e Europa (planetaagora: janeiro 2015). Em maio de 2015 aconteceram marchas em todo o mundo contra a empresa Monsanto, responsável por cerca de 90% do mercado de sementes transgênicas e agrotóxicos (rede brasil atual: maio 2015). As resistências crescem e a transição para uma agricultura mais saudável começa a acontecer em vários locais do planeta.

ALTIERI, M. Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável, SP, RJ: Expressão Popular, 2012. 120 p.

PORTO-GONÇALVES (2006) chama a atenção da concentração no setor de biotecnologia em que Bayer, Syngenta, Monsanto, Basf, Dow e Dupont controlam 90% do mercado mundial. O autor destaca também a concentração no setor de farmacêuticos com Pfizer, Glaxo, Merck, Astrazenca, Johnson & Johnson e Aventis em destaque. A indústria de alimentos e bebidas é controlada principalmente por Nestle, Kraftsfoods, Conagra, Pepsico, Unilever, Archer, Daniels Midland, Cargil e Coca-Cola. Empresas que investem cada vez mais no controle das fontes de águas minerais de todo o mundo. No setor de sementes Porto-Gonçalves aponta outra grande concentração em que Dupont, Monsanto, Syngenta, Dow, Bayer e Basf aparecem novamente no topo do mercado. Além disso, enfatizamos as aquisições corporativas e a fusão do setor químico com o de sementes provocando um laço de dependência no setor agrícola. Esse setor apresenta a tendência de também controlar a fabricação de alimentos e bebidas e as cadeias de supermercados.

Referências

PORTO-GONÇALVES, C.W. A globalização da natureza e a natureza da globalização. RJ: Civilização Brasileira, 2006.

Francisco Pontes de Miranda Ferreira é Jornalista (PUC Rio) e Geógrafo (UFRJ) com mestrado em Sociologia e Antropologia (UFRJ), pós graduação em História da Arte (PUC Rio), pós-graduação em Desenvolvimento Territorial da UERJ Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, membro do conselho editorial do Jornal Poiésis.

[1] Fui pesquisador do Projeto “Fronteiras em Mutação no Mundo da Soja: logística e biotecnologia” em Mato Grosso – Cerrado do Brasil (CNPq – UFRJ) (2001 – 2002). Nessa pesquisa constatamos que cerca de 70% da economia que envolve a agroindústria nessa região beneficia a indústria do petróleo: presente nos produtos químicos, nos tratores, nos bombeamentos dos sistemas de irrigação, no transporte de mercadorias e nas embalagens.

Artigo publicado em: https://www.jornalpoiesis.inf.br/post/alguns-desafios-da-agroecologia