Vou aqui discutir algumas dúvidas sobre a relação Igreja Católica – Amazônia que foram levantadas, por católicos e não-católicos, por ocasião da realização recente do Sínodo para a Amazônia, encerrado no domingo passado (27.10.2019) no Vaticano. Por que foi realizado um Sínodo de bispos específico para a Amazônia?
O que foi o Sínodo para a Amazônia?
No caso desse Sínodo (especial) para a Amazônia, o encontro já havia sido anunciado desde janeiro de 2017 pelo Papa Francisco, para tratar de assuntos comuns aos 9 países relacionados ao bioma da Floresta Amazônica, a saber: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela, Suriname, Guiana e Guiana Francesa.
O encontro, que foi realizado no Vaticano e se estendeu entre os dias 06 e 27 de outubro de 2019 (sem incluir o período preparatório), contou com um total de 250 participantes, sendo 185 padres sinodais (como são chamados os bispos participantes – da região, de outros países e de diferentes congregações religiosas), além de líderes de outras comunidades cristãs, da população da região e de especialistas.
Principais críticas – Este Sínodo tem recebido críticas sobretudo do governo brasileiro, incomodado com o viés ambiental e pressionado pela situação social crítica da Amazônia. Também tem sofrido críticas da ala conservadora da igreja, que vê como inapropriado o debate sobre a ordenação de homens casados como sacerdotes, a criação de ministérios oficiais para mulheres e a incorporação de costumes indígenas em rituais católicos.
(In Folha de SP, 05.10.2019. Entenda o que é o Sínodo da Amazônia liderado pelo Papa Francisco )
Por que foi realizado o Sínodo para a Amazônia?
Motivo 1 – Porque a Igreja vive em escuta permanente
Motivo 2 – Porque Evangelização NÃO pode mais ser colonização
Como afirmou Dom Roque (arcebispo de Porto Velho, RO e presidente do Conselho Indigenista Missionário – CIMI)
“Trabalhamos com a evangelização no sentido do diálogo, do respeito às culturas diferentes e, sobretudo, do desafio de perceber os sinais da presença de Deus no meio de cada povo. ….. A evangelização não é entregar um pacote pronto, mas traçar caminhos junto com as populações. Se um (da etnia) macuxi se torna cristão e católico, não pode negar sua tradição, seus costumes, sua história. Do contrário, a evangelização se torna colonização”
Também o missionário leigo Aleandro Laurindo da Silva (que trabalha com comunidades indígenas urbanas na Grande São Paulo, com as etnias guaranis e pancararus) é contra a visão integracionista, que “promove a integração de minorias (étnicas, sociais, etc… ) dentro de uma comunidade alargada”. Para ele, é uma visão ultrapassada que destrói a cultura dos povos para poder integrá-los. Ser contra essa visão demonstra que a Igreja aprendeu com os próprios erros do passado. O missionário afirma que
“Teremos consequências positivas para a Igreja no mundo todo com o Sínodo. A Igreja vai se arejar, abrir as janelas e deixar de se pautar apenas pela realidade europeia. E será muito importante denunciar a visão destrutiva e integracionista que existe sobre os povos indígenas”
(In Folha de SP, 21.10.2019. Missionários abandonam ideia de conversão religiosa)
Motivo 3 – Porque a Igreja precisa ter um “rosto indígena” na Amazônia
Para o padre Paulo Suess, que é assessor teológico no CIMI e ajudou na elaboração do documento de trabalho preparatório para o Sínodo da Amazônia,
“A Igreja precisa ter um rosto indígena. Para isso precisa ampliar sua atuação na região: tem que passar de uma igreja de visita para uma igreja de presença. Essa presença, porém, só será viável com o ordenamento de indígenas e ribeirinhos, permitindo o sacerdócio aos casados. As mulheres também precisam ser reconhecidas , com ordenação de diaconisas, posição que não equivale a de um padre. …… Os ritos da igreja podem incluir rituais indígenas, começando pelas vestimentas: Não precisa ser o colarinho romano, pode ser outro sinal distintivo que caracteriza o indígena como padre. Porém, isso não vai acontecer de hoje para amanhã. É um longo processo”. (Igreja com rosto indígena)
E também como reforçou o missionário leigo Aleandro Laurindo, a evangelização pressupõe buscar alternativas para a sua viabilização.
Motivo 4 – Porque a Amazônia precisa de desenvolvimento sustentável e inclusivo
A partir dos dados que foram levantados pelo Instituto SocioAmbiental – ISA, Tiago Moreira, antropólogo e analista do ISA, sintetiza a situação socioambiental crítica da região amazônica e as perspectivas de piora.
Em sua homilia de encerramento do Sínodo, o Papa Francisco afirmou que, sim, é possível fazer diferente (do que foi feito até agora) na Amazônia, de modo a acolher a todos – povos e natureza. Disse o Papa,
“Neste Sínodo, tivemos a graça de escutar as vozes dos pobres e refletir sobre a precariedade das suas vidas, ameaçadas por modelos de progresso predatórios. E, no entanto, precisamente nesta situação, muitos nos deram testemunho de que é possível olhar a realidade de modo diferente, acolhendo-a de mãos abertas como uma dádiva, habitando na criação, não como meio a ser explorado, mas como casa a ser guardada….” (In Vatican News, 27.10.2019. Íntegra da homília do Papa na Missa de encerramento para a Pan-Amazônia)
Em outras palavras, podemos dizer que o Papa conclama a todos (católicos ou não) para a necessidade de amadurecermos estratégias de desenvolvimento sustentável e inclusivo para a Amazônia.
Considerações finais
A partir das falas de representantes da Igreja e da região, procurei elencar os 4 motivos que, a meu ver, mais do que explicam a realização desse Sínodo (especial) da Igreja Católica para a região da Amazônia, que são:
- A Igreja vive em escuta permanente, buscando ouvir sobretudo as “vozes dos pobres”
- A Evangelização NÃO pode mais ser colonização. A Igreja aprendeu com os erros do passado.
- A Igreja precisa ter um “rosto indígena” na Amazônia
- É preciso desenvolver a Amazônia – porém SEM espoliar a terra e os povos que aí vivem
Escrito por: Maria Cecilia Prates Rodrigues
Fonte: https://estrategiasocial.com.br/por-que-um-sinodo-para-a-amazonia/
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