Por Francisco Pontes de Miranda Ferreira¹
O Eco de um Século Distante
Vivemos em um mundo marcado por transformações constantes: consumismo vazio, ansiedade pela vida perfeita e desigualdade crescente. Parece um dilema exclusivo da contemporaneidade, mas o século XIX já havia diagnosticado muitos desses problemas. A Era Vitoriana foi um palco de paradoxos, onde o progresso convivia com inquietações profundas. Autores desse período revelaram com clareza as patologias sociais de sua época — e suas ideias continuam incrivelmente atuais.
Lord Byron e a Invenção da Celebridade Tóxica
Muito antes das redes sociais, Byron se tornou a primeira celebridade moderna. Criou o arquétipo do “herói byrônico”: arrogante, autodestrutivo e fascinante. Seu “tédio existencial cósmico” ecoa hoje na cultura de influenciadores, onde a imagem pública frequentemente esconde insatisfação e autodestruição.
Jane Austen: A Crítica Social nos Salões de Chá
Por trás das tramas de amor e casamento, Austen expunha com ironia a vulnerabilidade econômica das mulheres e a hipocrisia das elites. Sua técnica inovadora, o discurso indireto livre, revelava tensões ocultas da sociedade. Austen mostrou que a análise das relações cotidianas pode ser uma forma poderosa de crítica social.
Charles Dickens e a Farsa da “Filantropia Telescópica”
Dickens denunciou a caridade performática das elites, simbolizada pela personagem Sra. Jellyby, que ignorava a miséria próxima enquanto se dedicava a causas distantes. Sua crítica à “performance de virtude cívica” continua atual em tempos de ativismo digital, onde a imagem muitas vezes suplanta o impacto real.
John Keats: O Poder de Não Saber Todas as Respostas
Keats propôs a Negative Capability: a capacidade de permanecer em “incertezas, mistérios, dúvidas” sem buscar respostas imediatas. Em um mundo saturado de dados e racionalismo, sua defesa do mistério e da complexidade é um antídoto necessário contra a obsessão por certezas.
William Blake e as Prisões da Mente
Blake atacou as opressões de sua época, denunciando as “algemas forjadas pela mente”. Para ele, a religião organizada e o racionalismo fragmentavam o ser humano. A imaginação criativa era a única força capaz de libertar e reunificar. Sua obra nos convida a questionar os sistemas de crenças que limitam nosso potencial.
Conclusão: Um Espelho para o Século XXI

Imagem gerada pela IA, Copilot
As vozes de Byron, Austen, Dickens, Keats e Blake não são relíquias. São ferramentas conceituais para interrogar nosso presente. A celebridade tóxica, a filantropia performática e as prisões mentais continuam a nos desafiar. A literatura do século XIX foi um diagnóstico de sua época — e nos inspira a perguntar: quais histórias estamos contando hoje que revelarão as verdades ocultas do nosso tempo?
👉 Este artigo integra a série de reflexões do nosso blog (in)formação & notícias, Instituto Tecnoarte sobre como a arte e a literatura iluminam os dilemas contemporâneos.
[1] Francisco é Doutor em Ciências do Meio Ambiente, Diretor Interinstitucional do Instituto Tecnoarte e Jornalista.
Referências
AUSTEN, Jane. Emma. 1815.
AUSTEN, Jane. Orgulho e Preconceito. 1813.
AUSTEN, Jane. Razão e Sensibilidade. 1811.
BLAKE, William. Canções da Inocência e da Experiência. 1789-1794.
BLAKE, William. Jerusalém: A Emanação do Gigante Albion. 1804-1820.
BLAKE, William. O Casamento do Céu e do Inferno. 1790-1793.
BLAKE, William. O Livro de Urizen. 1794.
BYRON, Lord. Don Juan. 1819-1824.
BYRON, Lord. Peregrinação de Childe Harold. 1812-1818.
DICKENS, Charles. Casa Soturna. 1853.
DICKENS, Charles. História em Duas Cidades. 1859.
DICKENS, Charles. Oliver Twist. 1838.
DICKENS, Charles. Tempos Difíceis. 1854.
ELIOT, George. Middlemarch: Um Estudo da Vida da Província. 1871-1872.
ELIOT, George. O Moinho à Beira do Rio. 1860.
KEATS, John. Ode à Melancolia. 1819.
KEATS, John. Ode a um Rouxinol. 1819.
KEATS, John. Ode a uma Urna Grega. 1819.
