Rumo a uma Nova Aliança Humana e à Construção de Territorialidades Socioambientais
Francisco Pontes de Miranda Ferreira[i]
🌍 Introdução: Território em Disputa
Partindo das lentes teóricas das territorialidades socioambientais — que compreendem o território como uma construção dinâmica, permeada por relações de poder, conflitos e resistências — este artigo propõe uma reflexão sobre o paradoxo tecnológico contemporâneo como campo de disputa simbólica e material. Assim como os territórios são moldados por agentes diversos, da ação estatal aos movimentos sociais, a inteligência artificial (IA) e a energia escura emergem como novas dimensões de poder e controle, capazes de reconfigurar radicalmente o espaço social e físico.
A questão central é: essas forças tecnocientíficas reforçarão lógicas hegemônicas de dominação ou abrirão caminho para territorialidades contra-hegemônicas, baseadas em ética, colaboração e justiça socioambiental?
🤖 Encantamento e Ansiedade: A Era do Paradoxo Tecnológico

Vivemos um momento histórico marcado por uma dualidade vertiginosa. De um lado, o encantamento com ferramentas que compõem sinfonias, diagnosticam doenças com precisão inédita e prometem desvendar os segredos do cosmos. De outro, a ansiedade diante de forças que mal compreendemos — da IA à energia escura — que parecem ditar um futuro de desumanização e solidão algorítmica.
🧠 Inteligência Artificial: Entre o Milagre e o Risco Existencial
A IA, em seu sentido mais amplo, é um campo da ciência da computação dedicado à criação de máquinas que simulam a inteligência humana, aprendendo com dados em vez de serem explicitamente programadas. A IA “narrow” ou fraca domina tarefas específicas com excelência — como recomendar filmes ou detectar fraudes (Russell & Norvig, 2020).
O próximo horizonte é a Inteligência Geral Artificial (AGI), uma máquina com capacidade cognitiva flexível e adaptável, capaz de transitar entre domínios distintos — da física à poesia (Bostrom, 2014). Além dela, adentra-se o domínio especulativo da Superinteligência Artificial (ASI), um intelecto que superaria em muito a cognição humana, com potencial para resolver crises globais ou representar riscos existenciais profundos.
No campo militar, esse risco se torna catastrófico. A proliferação de Sistemas de Armas Autônomas Letais (SAAL), ou “robôs assassinos”, que selecionam e engajam alvos sem intervenção humana significativa, representa uma ameaça clara e presente. Algoritmos autônomos no controle de armamentos e na cibersegurança de infraestruturas críticas podem desencadear eventos irreversíveis, comprometendo a segurança global e a agência humana sobre decisões de vida e morte.
🌌 Energia Escura: O Mistério Cósmico
Na cosmologia, enfrentamos um conceito igualmente desconcertante: a energia escura. Descoberta nos anos 1990, ela desafia a gravidade ao acelerar a expansão do universo. Se imaginarmos o cosmos como uma membrana elástica, a energia escura age como uma pressão invisível que estica esse tecido cada vez mais rápido (Perlmutter et al., 1999). Representando cerca de 68% do universo, sua natureza permanece um dos maiores enigmas da física.
🔗 Forças Invisíveis, Destinos Interligados

A correlação entre IA e energia escura reside na ideia de forças poderosas, invisíveis e incompreendidas, moldando nosso destino. A energia escura atua na escala cósmica, enquanto a IA — especialmente AGI e ASI — opera nas escalas micro e social. Ambas geram encantamento pela promessa de conhecimento e abundância, mas também ansiedade diante da insignificância cósmica ou da irrelevância tecnológica.
🛠️ Caminhos Éticos: Tecnologia a Serviço da Humanidade
Para garantir que a tecnologia sirva à humanidade, são necessárias estratégias coletivas e deliberadas:
- Regulação ética e transparente da IA, com marcos legais internacionais que priorizem segurança, privacidade e controle humano (Zuboff, 2019).
- Educação transformadora, voltada ao desenvolvimento de competências humanas como pensamento crítico, empatia e criatividade (Harari, 2018).
- Design centrado no humano, que promova interação social e liberte profissionais de tarefas burocráticas.
- Modelos de prosperidade compartilhada, como a renda básica universal, para mitigar os impactos da automação.
- Promoção da interdisciplinaridade, com fóruns que unam artistas, engenheiros e cientistas em diálogo holístico.
🌱 Territorialidades Contra-Hegemônicas: A Escolha Coletiva

O futuro não é uma inevitabilidade tecnológica, mas uma escolha coletiva. Podemos ser passivos, levados pela corrente da aceleração, ou proativos, construindo uma civilização mais justa e solidária. A tecnologia deve ser ponte, não abismo.
Diante dos desafios da IA autônoma e da imprevisibilidade de fenômenos cósmicos, é urgente reconhecer que a tecnologia é um território em disputa. A construção de um futuro verdadeiramente humano depende da mobilização política e da criação de territorialidades socioambientais pautadas por equidade, participação e sustentabilidade.
Assim como os movimentos sociais resistem à homogeneização dos territórios físicos e simbólicos, devemos resistir à desumanização digital. Exigir regulação ética, designs centrados no humano e inclusão tecnológica é essencial para transformar o abismo tecnológico em ponte — não por algoritmos, mas por valores humanos partilhados.
[i] Francisco é Doutor em Ciências do Meio Ambiente, Diretor Interinstitucional do Instituto Tecnoarte e pesquisador do COLAB Territorialidades Socioambientais (CNPq/UERJ).
REFERÊNCIAS
BOSTROM, Nick. Superintelligence: Paths, Dangers, Strategies. Oxford: Oxford University Press, 2014.
HARARI, Yuval Noah. 21 Lições para o Século XXI. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
PERLMUTTER, S. et al. Measurements of Ω and Λ from 42 High-Redshift Supernovae. The Astrophysical Journal, v. 517, n. 2, p. 565–586, 1999.
RUSSELL, Stuart; NORVIG, Peter. Artificial Intelligence: A Modern Approach. 4th ed. Hoboken: Pearson, 2020.
ZUBOFF, Shoshana. A Era do Capitalismo de Vigilância: A luta por um futuro humano na nova fronteira do poder. 1. ed. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2019.