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O Jogo de Sempre: 4 Segredos da Política Brasileira que a História Explica

    Francisco Pontes de Miranda Ferreira[i]


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    É comum olhar para a política brasileira com uma sensação de frustração, a impressão de que “nada muda” ou que vivemos em um ciclo vicioso de crises e conchavos. Contudo, essa percepção não é apenas um sentimento; ela tem raízes históricas profundas. O artigo a seguir revela os fatos contraintuitivos da nossa história que explicam as engrenagens deste “jogo de sempre”, convidando você a uma jornada para entender o presente através do passado.

    1. A República não nasceu do povo, mas de um golpe violento

    A Proclamação da República de 1889, ao contrário do que o senso comum imagina, não foi um movimento cívico ou popular. Foi um golpe militar autoritário e excludente, articulado por uma pequena elite de oficiais do Exército em aliança com oligarquias agrárias descontentes com o fim da escravidão. Este evento inaugurou uma tradição nefasta na vida nacional: a do intervencionismo como solução política, consolidando um microfascismo cotidiano e uma cultura autoritária que se infiltram no Estado até hoje.

    A violência foi o instrumento de consolidação do novo regime. O imperador D. Pedro II foi deposto e sumariamente exilado, e qualquer resistência ao levante de quartel foi reprimida de forma brutal. Os massacres ocorridos em Magé, no Rio de Janeiro, contra populares e soldados leais ao imperador são um exemplo do terror usado para garantir a nova ordem.

    2. O imperador deposto era mais progressista que os republicanos

    A grande ironia histórica é que o regime deposto era liderado por D. Pedro II, um monarca humanista e antiescravocrata que vivia em constante atrito com as elites agrárias. Sua queda representou a interrupção abrupta de um caminho intelectual e reformista para o país, que vinha sendo construído em diálogo com pensadores abolicionistas.

    A convergência de ideais entre o imperador e figuras como Joaquim Nabuco simboliza o projeto de nação que foi interrompido. A República, portanto, não nasceu para avançar, mas para consolidar o poder dos grupos que se sentiam ameaçados pelas reformas em curso.

    3. O “Centrão” não é um problema moderno: ele fundou a República

    A tese central é que o “Centrão” contemporâneo é a expressão moderna da mesma aliança de oligarquias que tomou o poder em 1889. Não se trata de um partido, mas de uma coalizão suprapartidária e oportunista de parlamentares cuja ideologia principal é a perpetuação no poder e o acesso ao erário público. É a criatura endêmica da República.

    Seu modus operandi é o toma-lá-dá-cá: negocia apoio em troca de ministérios, cargos, emendas orçamentárias e blindagem contra investigações. É essa lógica, que prioriza o interesse privado de grupos sobre o interesse público, que atrasa o país, emperra reformas estruturais, corrói a qualidade dos serviços públicos e transforma a política num grande balcão de negócios.

    …o que se revela é uma máquina de perpetuação de privilégios, que sequestrou as instituições e neutralizou, a seu favor, as tentativas de ruptura democrática.

    4. A democracia no Brasil é a exceção, não a regra

    A conclusão que a história nos apresenta é sombria, mas fundamental: a normalidade democrática é um evento raro na trajetória do Brasil. O padrão histórico é uma sucessão de golpes e ditaduras, onde as elites utilizam a violência de Estado como ferramenta para se manter no poder. Tragicamente, este padrão hoje se aproxima e se entrelaça com a lógica do crime organizado, numa simbiose perversa que corrói a segurança e os direitos.

    Esta constatação redefine nossa percepção sobre a estabilidade política nacional e a fragilidade de nossas instituições.

    A história do Brasil é uma sucessão de golpes e ditaduras, onde a normalidade democrática é a exceção, não a regra.

    Conclusão: Entender o passado para construir um futuro diferente

    O diagnóstico histórico não é motivo para resignação, mas sim o alicerce para uma ação transformadora e consciente. Reconhecer as estruturas de poder que nos governam há mais de um século é o primeiro passo para quebrá-las. A história nos deixa com uma reflexão final e uma responsabilidade cívica.

    Se a história foi feita de golpes das elites, não seria a hora de orquestrarmos, coletivamente, o grande “golpe de volta” — aquele que, através da consciência e da ação organizada, finalmente tomba as oligarquias e inaugura uma soberania genuinamente popular?


    [i] Francisco é Doutor em Ciências do Meio Ambiente, Diretor Interinstitucional do Instituto Tecnoarte e Jornalista.