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A Revolução Científica: Da Filosofia Natural à Computação Quântica

    Por Francisco Pontes de Miranda Ferreira¹

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    Introdução

    A história do pensamento humano é marcada por rupturas transformadoras — e poucas foram tão decisivas quanto a Revolução Científica. Entre os séculos XVI e XVIII, a Europa testemunhou uma virada intelectual que deu origem à ciência moderna. Impulsionada pelo contexto renascentista, pelo questionamento das autoridades tradicionais e pela valorização do método, essa revolução redefiniu nossa relação com o saber e com o universo.

    Este artigo convida o leitor a uma jornada pelas transformações que moldaram a ciência, desde sua consolidação no século XVII até os avanços do século XXI, como os fenômenos quânticos em sistemas macroscópicos — uma ponte entre o rigor metodológico de quatro séculos atrás e a tecnologia mais transformadora da atualidade.

    A Virada no Pensamento Ocidental

    A Revolução Científica representou a transição da “Filosofia Natural” para a ciência moderna. Com a matematização da natureza e o surgimento do método experimental, inaugurou-se uma nova forma de investigar o mundo físico. Não foi uma ruptura abrupta com a Idade Média, mas uma assimilação crítica de saberes anteriores, integrados a um paradigma que valorizava observação, experimentação e leis universais.

    A Matematurgia da Natureza

    Antes do século XIX, o termo “ciência” não existia como o conhecemos. A Revolução Científica transformou a Filosofia Natural em ciência, com forte influência sociopolítica e lógica interna.

    • Kepler e Brahe desafiaram o aristotelismo com explicações matemáticas para os movimentos celestes.
    • Galileu Galilei demonstrou como a matemática decifra a natureza, estudando a queda dos corpos e defendendo o heliocentrismo.
    • René Descartes baseou sua filosofia na matemática, consolidando uma abordagem racionalista.
    • Isaac Newton, com seus Princípios Matemáticos da Filosofia Natural, tornou a matematização uma marca definitiva da nova ciência.

    O Experimentalismo e a Magia da Descoberta

    A união entre matemática e experimentação impulsionou o desenvolvimento de instrumentos como telescópios, microscópios e termômetros. Surgiram academias científicas como a Royal Society de Londres e a Académie Royale de Paris, que institucionalizaram a verificação pública dos experimentos.

    Curiosamente, práticas mágicas renascentistas — como alquimia e numerologia — influenciaram pioneiros como Newton, que viam forças naturais como “forças ocultas”. Essa tradição exigia um conhecimento íntimo da natureza, pavimentando o caminho para a investigação científica.

    A Construção do Saber: Da Grécia ao Positivismo

    A busca pelo conhecimento evoluiu do mito ao logos:

    • Grécia Antiga: Tales, Sócrates, Platão e Aristóteles buscaram explicações racionais e sistemáticas.
    • Idade Média: Santo Agostinho e São Tomás de Aquino reconciliaram fé e razão.
    • Renascimento: Galileu, Bacon e Descartes colocaram o ser humano no centro do saber, defendendo observação, indução e mecanicismo.

    O positivismo do século XIX tentou sistematizar a ciência com objetividade e linguagem matemática. Mas pensadores como Popper, Kuhn e a Escola de Frankfurt criticaram essa visão, destacando o papel dos contextos históricos e a ausência de verdades absolutas.

    A Revolução Quântica: O Fim das Certezas

    O século XX trouxe uma nova revolução: a física quântica e os sistemas complexos revelaram um mundo de incertezas e instabilidades.

    • Thomas Kuhn mostrou que a ciência avança por mudanças de paradigma.
    • Ilya Prigogine introduziu conceitos como auto-organização e estruturas dissipativas.
    • O determinismo deu lugar ao caos, e o universo passou a ser descrito por probabilidades, não certezas.

    Do Quântico ao Macroscópico: A Revolução do Século XXI

    O espírito revolucionário da ciência permanece vivo. Em 2025, os físicos John Clarke, Michel Devoret e John Martinis foram laureados com o Prêmio Nobel por demonstrarem fenômenos quânticos em sistemas macroscópicos:

    • Tunelamento quântico e quantização de energia em circuitos supercondutores.
    • Comportamentos antes restritos ao mundo atômico agora governam sistemas com bilhões de átomos.
    • Essa descoberta viabilizou a computação quântica com supercondutores — uma das tecnologias mais promissoras da atualidade.

    Considerações Finais

    A Revolução Científica estabeleceu as bases da ciência moderna, substituindo explicações qualitativas por relações quantitativas. A Revolução Quântica desafiou esse modelo, inserindo a incerteza e a complexidade como elementos centrais.

    Hoje, a ciência exige uma nova racionalidade: humilde, interdisciplinar e aberta à incerteza. O legado da Revolução Científica não é um monumento de certezas, mas um diálogo criativo e contínuo com a natureza — movido pela curiosidade e pelo rigor que definiram o século XVII.

    ¹Doutor e Pós-Doutor em Ciências do Meio Ambiente, Diretor Interinstitucional do Instituto Tecnoarte

    Referências

    AYRES, Nathalie. Nobel de Física 2025: conheça os três cientistas laureados. CNN Brasil, São Paulo, 7 out. 2025. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/tecnologia/nobel-de-fisica-2025-conheca-os-tres-cientistas-laureados/. Acesso em: 25 out. 2025.

    COUTINHO, M. T. C. e CUNHA, S. E. Os Caminhos da Pesquisa em Ciências Humanas, PUCMINAS, 2004.

    HENRY, J. A Revolução científica e as origens da Ciência moderna, RJ: Zahar, 1998.

    MARTINIS, John M. Macroscopic Quantum Tunneling and Energy-Level Quantization in the Zero Voltage State of the Current-Biased Josephson Junction. 1985. Tese (Doutorado em Física) – University of California, Berkeley, 1985.

    PIGEN, H.O. JÜRGENS, H. e SAUPE, D. Chaos and Fractals: new frontiers of science, Berlin New York: Springler-Verlag, 1992.

    PIVETTA, Marcos. Nobel de Física vai para a descoberta de propriedades quânticas em sistemas macroscópicos. Revista Pesquisa FAPESP, São Paulo, 7 out. 2025. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/nobel-de-fisica-vai-para-a-descoberta-de-propriedades-quanticas-em-sistemas-macroscopicos/. Acesso em: 25 out. 2025.

    PRIGOGINE, I. Order out of Caos. London: Bantam Books, 1984.

    ROYAL SWEDISH ACADEMY OF SCIENCES. for the discovery of macroscopic quantum mechanical tunnelling and energy quantisation in an electric circuit: The Nobel Prize in Physics 2025. Stockholm, 2025. 13 p. Disponível em: https://www.nobelprize.org/uploads/2025/10/advanced-physicsprize2025.pdf. Acesso em: 25 out. 2025.