O legado do professor Kongjian Yu
Por Francisco Pontes de Miranda Ferreira¹
Introdução
Kongjian Yu foi um renomado arquiteto paisagista, urbanista e ecologista chinês, amplamente reconhecido como o principal idealizador e pioneiro do conceito de “Cidade Esponja” (Sponge City). Professor da Universidade de Pequim e fundador do escritório Turenscape, Yu desenvolveu sua filosofia a partir de uma crítica profunda ao modelo tradicional de engenharia hidráulica, que ele denominava “cinza” e militarista, por tentar controlar e expulsar a água com diques e canalizações.
Sua abordagem, radicalmente oposta, defende um urbanismo que trabalha com a natureza, inspirando-se nos processos hidrológicos ancestrais das paisagens agrícolas chinesas para criar cidades resilientes. Fundamentado no princípio da Adaptação Profunda (Deep Adaptation), seu trabalho propõe uma reestruturação ecológica do espaço urbano, utilizando infraestruturas verdes — como parques alagáveis, zonas úmidas e pavimentos permeáveis — para que as cidades possam absorver, armazenar e reutilizar a água da chuva.

O Pantanal como inspiração viva
Kongjian Yu faleceu em 23 de setembro, aos 62 anos, durante visita ao Pantanal de Mato Grosso do Sul. Estava no Brasil para participar da 14ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo. O ecossistema pantaneiro, com seu pulso natural de inundação, é a manifestação perfeita dos princípios de uma Cidade Esponja em escala paisagística.
Yu não inventou um novo conceito, mas sistematizou e traduziu para o planejamento urbano a inteligência hidrológica de biomas como o Pantanal. Sua teoria prega que as cidades devem funcionar como esse bioma: resilientes, adaptáveis e capazes de conviver com o ciclo da água, transformando a ameaça das cheias em recurso vital para a segurança hídrica e a biodiversidade urbana.
Por que o Brasil precisa das Cidades Esponja
Diante da intensificação dos eventos climáticos extremos, a adoção do conceito de Cidade Esponja não é alternativa, mas imperativa para metrópoles brasileiras — especialmente na Região Serrana e Baixada Fluminense do Rio de Janeiro.
A aplicação desses princípios representa a transição de um modelo reativo de combate às enchentes para um modelo proativo de resiliência e coexistência com as águas. Restaurar a permeabilidade do solo, criar parques e wetlands multifuncionais e integrar infraestrutura verde contínua são ações urgentes para transformar o risco hídrico em oportunidade.

Imagem: Ricardo Marajó/Secretaria de Comunicação Social da Prefeitura de Curitiba
Compreendendo o conceito de Cidade Esponja
A Cidade Esponja propõe uma mudança fundamental: em vez de combater a água com infraestrutura cinza (canais, diques, tubulações), as cidades devem absorver, armazenar, filtrar e liberar a água de forma natural e resiliente.
Problemas da urbanização tradicional:
- Impermeabilização do solo → aumento do escoamento superficial
- Sobrecarga dos sistemas de drenagem → inundações repentinas
- Interrupção do ciclo hidrológico → depleção dos aquíferos
- Superfícies escuras → efeito de ilha de calor urbana
Funções ecológicas das áreas verdes:
- Interceptação da chuva pelas copas
- Promoção da infiltração pelas raízes
- Evapotranspiração → resfriamento natural
- Filtração de poluentes e sedimentos
Yu defendia a criação de um Sistema de Infraestrutura Verde contínuo, conectando parques, corredores verdes, bosques e zonas ripárias — uma espinha dorsal ecológica para o desenvolvimento urbano sustentável.
Soluções Baseadas na Natureza (SbN)
A Cidade Esponja opera com técnicas conhecidas como SbN ou Práticas de Drenagem Sustentável (SuDS). Exemplos:
- Bacias de retenção e detenção: coletam e liberam o excesso de água de forma controlada.
- Jardins de chuva: depressões com vegetação nativa para infiltração e filtragem.
- Telhados verdes: retêm água, promovem evapotranspiração e aumentam a biodiversidade.
- Pavimentos permeáveis: permitem infiltração direta no solo.
- Trincheiras de infiltração (bioswales): conduzem e tratam a água pluvial.
- Zonas de alagamento temporário: parques e estacionamentos que funcionam como planícies de inundação.
Rumo à urbanização adaptativa
A transição para o modelo de Cidade Esponja exige:
- Integração entre planejamento urbano, gestão hídrica e ecologia
- Vontade política e participação social
- Atualização de marcos regulatórios
- Investimento em pesquisa
Cidades que adotarem esse paradigma serão mais seguras, habitáveis, saudáveis e biodiversas. A resiliência urbana significa prosperar em harmonia com os ciclos naturais.
O legado de Kongjian Yu
Yu permanece como uma das vozes mais proeminentes do planejamento urbano global. Seu escritório, Turenscape, materializou sua filosofia em projetos emblemáticos como:
- Qunli Stormwater Park (Harbin)
- Yongning River Park (Taizhou)
Sua obra seminal The Art of Survival (2021) e sua atuação em fóruns internacionais consolidam seu papel como visionário do século XXI, moldando o futuro das cidades sustentáveis.
Referências
Yu, K. (2021). The Art of Survival: Recovering Landscape Architecture. The Images Publishing Group.
Yu, K., & Padua, M. (2006). The Art of Survival: Positioning Landscape Architecture in the New Era. In M. Larice & E. Macdonald (Eds.), The Urban Design Reader. Routledge.
Imagem do site: www.turenscape.com
- Doutor em Ciências do Meio Ambiente, Diretor de Relações Interinstitucionais do Instituto Tecnoarte e professor de Geografia.