Dra. Paula de Abreu Moraes
Nós, humanos, vivemos em uma relação complexa e interdependente com animais de estimação, animais de produção e animais selvagens. A interação entre nós, animais e o ambiente que compartilhamos pode ser uma fonte de doenças que afetam a saúde pública e o bem-estar social e econômico da população mundial. Essas doenças, transmitidas de animais para humanos, seja por contato direto ou através de alimentos, água e meio ambiente, são comumente chamadas de zoonoses (OMS, 2020).
Algumas dessas zoonoses são classificadas como Doenças de Notificação Obrigatória (ou também, conhecidas como Doenças de Notificação Compulsória), ou seja, são doenças que podem colocar em risco a saúde coletiva e devem ser comunicadas à autoridade de saúde, por profissionais de saúde ou qualquer cidadão, para a adoção de medidas de intervenção relevantes. Esses dados, quando relatados, constituem um importante banco de dados para pesquisas epidemiológicas e promoção da saúde. Além disso, conhecer a ocorrência de diferentes zoonoses em uma região permite ampliar o tema para o conceito de Saúde Única, onde se discute a saúde animal, ambiental e humana.
Este trabalho utilizou dados sobre a ocorrência de Doenças de Notificação Compulsória (DNC) nos municípios da região da Serra dos Órgãos – Teresópolis, Petrópolis, Guapimirim e Magé – que tem como ponto comum a presença do Parque Nacional da Serra dos Órgãos (PARNASO) em seu território. A Serra dos Órgãos possui uma grande área verde de Mata Atlântica, parte dela protegida pelo PARNASO. Este parque foi criado em 1939 para proteger a paisagem excepcional e a biodiversidade deste trecho da Serra do Mar na Região Serrana do Rio de Janeiro. Nas proximidades do PARNASO, existem muitas residências permeando a floresta, onde há uma considerável população de animais domésticos. Portanto, é uma área com constante interação entre a tríade animal-humano-meio ambiente.
Foram utilizados dados fornecidos pela Secretaria Municipal de Saúde de Teresópolis/Departamento de Vigilância Epidemiológica e consulta ao DATASUS/TABNET, onde foram observadas as ocorrências das seguintes doenças de 2016 a 2020: Hanseníase, Febre Maculosa e Leishmaniose Cutânea.
O DATASUS, vinculado ao Ministério da Saúde do Brasil, é um banco de dados online onde é possível ter acesso a diferentes tipos de informações, incluindo a ocorrência de Doenças de Notificação Obrigatória no Brasil, bem como dados que podem ser usados para apoiar análises objetivas da situação de saúde, tomada de decisões baseada em evidências e elaboração de programas de ação em saúde (DATASUS).
As doenças que nos cercam não devem ser negligenciadas. Conhecer as doenças que afetam as comunidades impacta diretamente na qualidade de vida das populações. No entanto, não podemos esquecer que a presença dessas doenças pode afetar a saúde da fauna selvagem, dada a proximidade da área urbana dos municípios em questão com sua área florestal.
Neste cenário, esta pesquisa se deve à importância dos agentes estudados para a saúde animal e humana e pode trazer mudanças positivas no cenário de saúde pública nos municípios, assumindo que o conhecimento leva à conscientização da importância da prevenção. Portanto, este trabalho visa não apenas apresentar os dados coletados, mas discutir o impacto na sociedade e no meio ambiente, com base nos princípios da saúde única, a fim de ampliar o conhecimento sobre esse tema.
Tabela 1. Número de casos de Febre Maculosa nos municípios de Teresópolis, Magé, Guapimirim, Petrópolis e total de casos no Estado do Rio de Janeiro.
ANO | FREQ. TERESÓPOLIS | FREQ. MAGÉ | FREQ. GUAPIMIRIM | FREQ.PETRÓPOLIS | FREQ. ESTADO DO RJ |
2016 | 0 | 0 | 0 | 0 | 14 |
2017 | 1 | 0 | 0 | 0 | 18 |
2018 | 1 | 0 | 0 | 0 | 11 |
2019 | 0 | 0 | 0 | 0 | 34 |
2020 | 0 | 1 | 0 | 0 | 13 |
Tabela 2. Número de casos de hanseníase nos municípios de Teresópolis, Magé, Guapimirim, Petrópolis e total de casos no Estado do Rio de Janeiro.
ANO | FREQ. TERESÓPOLIS | FREQ. MAGÉ | FREQ. GUAPIMIRIM | FREQ. PETRÓPOLIS | FREQ. ESTADO DO RJ |
2016 | 2 | 0 | 17 | 4 | 1.065 |
2017 | 4 | 1 | 9 | 2 | 1189 |
2018 | 1 | 0 | 12 | 1 | 1184 |
2019 | 3 | 0 | 13 | 0 | 1135 |
2020 | 1 | 1 | 4 | 1 | 727 |
Tabela 3. Número de casos de Leishmaniose nos municípios de Teresópolis, Magé, Guapimirim, Petrópolis e total de casos no Estado do Rio de Janeiro.
ANO | FREQ. TERESÓPOLIS | FREQ. MAGÉ | FREQ. GUAPIMIRIM | FREQ. PETRÓPOLIS | FREQ. ESTADO DO RJ |
2016 | 0 | 0 | 0 | 0 | 30 |
2017 | 1 | 0 | 0 | 0 | 35 |
2018 | 0 | 0 | 0 | 1 | 71 |
2019 | 1 | 0 | 1 | 2 | 76 |
2020 | 4 | 0 | 1 | 1 | 51 |
As Tabelas 1, 2 e 3 mostram o número de casos por ano das doenças citadas. Mesmo que os números apresentados não pareçam expressivos devido à subnotificação, não conhecemos a verdadeira magnitude das doenças no Brasil, tanto em animais quanto em humanos. Portanto, uma vigilância epidemiológica consistente e ativa é necessária para entender a situação das Doenças de Notificação Compulsória (DNC) nos municípios abordados neste estudo.
O tema saúde e meio ambiente tem sido amplamente discutido em diversas disciplinas, tanto no campo da saúde quanto nas ciências ambientais. Nesse cenário, podemos perceber a necessidade de um ambiente equilibrado para alcançar condições de saúde desejáveis. É aqui que entra o conceito de Saúde Única.
Saúde Única destaca-se como uma abordagem integrada que reconhece a interconexão entre a saúde humana, a saúde animal e a saúde do meio ambiente. Em nosso estudo, essa abordagem é crucial, pois as zoonoses, doenças transmitidas de animais para humanos, têm estreita relação com mudanças ambientais. A saúde de uma comunidade não pode ser plenamente compreendida sem considerar a saúde dos animais e a saúde do ecossistema compartilhado.
O surgimento de zoonoses é resultado natural da relação entre seres humanos, animais e ambiente. As causas subjacentes dessas doenças muitas vezes têm vínculos com ação humana, incluindo mudanças no uso da terra, produção animal e comércio global.
A Saúde Única destaca que, embora os princípios ecológicos que moldam a sobrevivência de patógenos permaneçam semelhantes, as atividades humanas alteraram o ambiente em que esses princípios operam. A proximidade de comunidades com áreas naturais, como florestas, intensifica o contato entre humanos e animais selvagens, aumentando o compartilhamento de patógenos.
Portanto, uma compreensão mais profunda das doenças que afetam comunidades é vital. Defendemos a necessidade de mais estudos para entender melhor a dinâmica da tríade animal-ambiental-humana, e a Saúde Única surge como uma abordagem valiosa nesse contexto.
Dada a extensa área verde dos municípios estudados, enfatizamos a importância de uma vigilância ativa e holística, focada na tríade mencionada anteriormente. A Saúde Única não apenas reconhece, mas também destaca a interconexão crítica entre a saúde humana, a saúde animal e a saúde do meio ambiente, fornecendo assim uma base sólida para abordar os desafios de saúde pública de forma abrangente.

Figura 1. Taxa de incidência de Hanseníase nos municípios de Teresópolis, Magé, Guapimirim, Petrópolis no ano de 2016.

Figura 2. Taxa de incidência de Hanseníase nos municípios de Teresópolis, Magé, Guapimirim, Petrópolis no ano de 2017.

Figura 3. Taxa de incidência de Hanseníase nos municípios de Teresópolis, Magé, Guapimirim, Petrópolis no ano de 2020.

Figura 4. Taxa de incidência de Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA) nos municípios de Teresópolis, Magé, Guapimirim, Petrópolis no ano de 2019.

Figura 5. Taxa de incidência de Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA) nos municípios de Teresópolis, Magé, Guapimirim, Petrópolis no ano de 2020.
Em síntese, este estudo destaca a importância crucial da abordagem da Saúde Única na compreensão e enfrentamento das zoonoses na região da Serra dos Órgãos. A análise dos dados de ocorrência de Hanseníase, Febre Maculosa e Leishmaniose Cutânea revela a necessidade premente de uma visão integrada que considere não apenas a saúde humana, mas também a saúde animal e a saúde ambiental.
Os números apresentados, embora possam não refletir a totalidade da situação devido à subnotificação, ressaltam a importância da vigilância epidemiológica consistente e ativa. A falta de conhecimento completo sobre a magnitude das doenças destaca a necessidade de mais estudos e uma abordagem proativa para compreender melhor a dinâmica da tríade animal-ambiental-humana.
A discussão sobre a Saúde Única revela que as zoonoses são intrinsecamente ligadas a mudanças ambientais, e a ação humana desempenha um papel fundamental na criação de condições propícias para a propagação dessas doenças. A proximidade de comunidades com áreas naturais, especialmente florestas, intensifica a interação entre humanos e animais selvagens, aumentando o risco de compartilhamento de patógenos.
Em um contexto global marcado por uma pandemia zoonótica, a Saúde Única emerge como uma abordagem vital para abordar os desafios de saúde pública de maneira abrangente e preventiva. A compreensão da interconexão crítica entre a saúde humana, a saúde animal e a saúde do meio ambiente é essencial para promover mudanças positivas na saúde das comunidades.
Portanto, defendemos a continuidade e a expansão de estudos nesta área, enfatizando a necessidade de vigilância ativa e holística nas regiões estudadas, considerando a abundante área verde desses municípios. A Saúde Única não apenas como conceito, mas como prática, destaca-se como um guia valioso para promover a conscientização e a prevenção, contribuindo assim para um futuro mais saudável e equilibrado para todas as formas de vida na Serra dos Órgãos e regiões semelhantes.
Referências
DATASUS. Disponível em: https://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude-tabnet/
OMS. World Health Organization. zoonoses. Disponível em: http://www.who.int/topics/zoonoses/en/.