Pular para o conteúdo

Pré-COP30 em Brasília: Sul Global Constrói Soberania Coletiva contra Crise Climática

    Francisco Pontes de Miranda Ferreira[1]

    Enquanto os impactos da crise climática – inundações, elevação do nível do mar, erosão – atingem com força brutal comunidades vulneráveis do Sul Global, um movimento potente se articula nos bastidores da Conferência do Clima da ONU (COP30). Em novembro deste ano, Brasília será palco não apenas da reunião preparatória oficial (Pré-COP30), mas de um processo inédito: movimentos organizados por movimentos sociais do Sul Global. Esta iniciativa representa uma resposta organizada de África, América Latina, Caribe e Sul da Ásia para afirmar autonomia, construir poder político coletivo e forjar alternativas concretas ao modelo de desenvolvimento dominante, baseado na exploração predatória.

    O cerne desta mobilização é a construção consciente de territorialidades socioambientais. Segundo o conceito teórico que fundamenta o diálogo, estas territorialidades surgem quando grupos sociais, conectados por redes de solidariedade, fomentam protagonistas locais a usar seus conhecimentos e valores únicos para moldar seus espaços de vida.

    Através do diálogo surge a consciência do território e via diálogo contínuo, se ganha capital político. É este capital, fruto da organização, da troca de saberes e da identificação de lutas comuns, que permite transformar indignação em ação socioambiental concreta. As territorialidades são, portanto, formações de resistência intrínsecas, nascidas para contrapor paradigmas exploratórios e vislumbrar futuros alternativos frente ao colapso climático.

    Como o Diálogo Sul-Sul Constrói e Amplifica estas Territorialidades?

    A metodologia Pré-COP30 oferece um arcabouço institucional para catalisar e consolidar estas territorialidades emergentes, rejeitando abordagens tecnocráticas. O Diálogo adota uma abordagem participativa e politicamente fundamentada em momentos funcionais de construção de agência. Isso espelha como grupos vulneráveis forjam identidades coletivas – o ponto de partida para transformações. Unidades de coordenação regionais, compostas por movimentos sociais, grupos de mulheres/jovens e comunidades da linha de frente, junto com âncoras regionais legitimadas, corporificam essas territorialidades nascentes, garantindo que o processo esteja enraizado nas lutas locais. As cinco fases do Diálogo (Escuta, Elaboração, Alinhamento, Validação, Legado) formam um ciclo iterativo. Reuniões mensais e oficinas temáticas (direitos, florestas, finanças climáticas) são arenas cruciais para trocar testemunhos localizados e estratégias de resistência, construir entendimento comum e forjar vontade coletiva. O foco na produção de resultados tangíveis (declarações, pactos) transforma o diálogo em alavancagem política concreta.

    Reconhecendo a complexidade da coordenação Sul-Sul, o processo cria espaço para tanto convergência quanto divergência. Isto é essencial, pois as dinâmicas territoriais emergem das contradições sociais, dos conflitos gerados e dos limites da exploração. O Diálogo é desenhado para elevar alternativas concretas que emergem das lutas territoriais específicas de cada região. Estas alternativas são articuladas não como soluções isoladas, mas como contribuições para a visão compartilhada da Soberania Coletiva do Grande Sul, confrontando diretamente o paradigma econômico dominante. A premissa de que restaurações ecossistêmicas devem vir acompanhadas de justiça social alinham-se perfeitamente com o quadro das territorialidades socioambientais. Ele enfatiza que Soluções baseadas na Natureza (SbN) e Adaptação baseada em Ecossistemas (AbE) devem estar embutidas na governança territorial e sistemas de conhecimento controlados pelas comunidades – exatamente o que as territorialidades socioambientais constroem.

    O Legado: Territorialidades para uma Governança Transformadora

    O Diálogo Sul-Sul Pré-COP30 representa uma práxis para nutrir e amplificar territorialidades socioambientais. Ao criar espaços estruturados e participativos para o diálogo, enraizados nas lutas da linha de frente e diversos sistemas de conhecimento (quilombolas, indígenas, crioulos, feministas, juvenis, camponeses, caiçaras), ele facilita a geração de capital político e a articulação de alternativas poderosas. O processo constrói conscientemente territórios de resistência – das defesas comunitárias locais à estrutura transnacional da Soberania Coletiva do Grande Sul. O objetivo final não é apenas impactar a COP30, mas fundamentalmente remodelar a governança climática global rumo à justiça ecológica, daqueles que forjam, a partir das bases, futuros socioambientais resilientes e justos. É este o potencial transformador das territorialidades socioambientais construídas e amplificadas coletivamente, que terão seu ponto alto em Brasília neste novembro para impactarem a COP 30 em Belém.


    [1] PhD em Ciências do Meio Ambiente, Francisco Pontes de Miranda Ferreira, teórico das Territorialidades Socioambientais foi convidado para atuar em uma iniciativa multi-regional, que reúne países e movimentos sociais da África, Ásia, Caribe e América Latina para construir soberania coletiva do Grande Sul nos diálogos preparatórios da COP30.