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Soluções Baseadas na Natureza aquecem Bioeconomia no Recôncavo da Baía de Guanabara

    A Região Metropolitana do Rio de Janeiro tem a baía de Guanabara como um dos desafios socioambientais mais importantes, pois encontra-se altamente poluída pelo despejo de resíduos sólidos e, principalmente, com contaminação de esgoto doméstico e industrial. Em toda a região do recôncavo, os únicos municípios que ainda abastecem a bacia da baía com água limpa são: Duque de Caxias, Magé, Guapimirim e Cachoeiras de Macacu. Alguns desses municípios destacam-se pela predominância de atividades rurais e outros por possuírem rios e manguezais conservados e todos possuem significativos trechos de Mata Atlântica bem preservados. As Soluções baseadas na Natureza (SbN) representam uma abordagem inovadora que busca enfrentar desafios globais, como mudanças climáticas, perda de biodiversidade e segurança hídrica, através da utilização consciente e estratégica dos processos naturais. A União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) define Soluções baseadas na Natureza como ações para proteger, gerir de forma sustentável e restaurar ecossistemas naturais ou modificados, que abordam desafios sociais de maneira eficaz e adaptativa, simultaneamente proporcionando benefícios para o bem-estar humano e a biodiversidade.

    No dia 1 de julho de 2024, o Instituto Sinal do Vale promoveu o seminário “Diálogos para uma Bioeconomia Regenerativa e Inclusiva: Soluções Baseadas na Natureza na Baía de Guanabara”, com apoio da Fundação Grupo O Boticário (Projeto Viva Água Baía de Guanabara), Deutsche Gesellshaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) – Euroclima, Instituto de Desenvolvimento e Gestão (IDG – Museu do Amanhã), Rede de Desenvolvimento Humano (REDEH) e UN Decade for Ecosystem Restoration. A iniciativa também faz parte das propostas que estão sendo apresentadas nos preparativos da reunião do G20, que acontece este ano no Rio de Janeiro. O evento aconteceu no auditório do Museu do Amanhã na região portuária do Rio de Janeiro. O evento tem como objetivo apresentar os resultados de diálogos que forram promovidos entre janeiro e maio deste ano com alguns stakeholders influentes. Os diálogos foram divididos em cinco eixos temáticos: Inclusão da Comunidade da Periferia em parceria com a Confluência Nacional de Favelas e Fundação Heinrich Boll Stiftung; Mulheres pela Liderança Climática em parceria com REDEH e She Changes Climate; Conhecimento e Inspiração dos Povos Indígenas para a Regeneração do Ecossistema em parceria com a Fundação Cuidemos Paraísos Chile; Incentivos e Desafios para o Financiamento da Bioeconomia Regenerativa em parceria com a Fundação Boticário e Líderes Responsáveis da Fundação BMW e Turismo Regenerativo em parceria com The Long Run.

    Thais Corral, coordenadora do Sinal do Vale, Thiago Valente da Fundação Grupo O Boticário, Natasha Solis, Coordenadora do Setor de Governança Climática, Programa Euroclima do GIZ e Camila Oliveira, gerente geral de Conteúdo do Museu do Amanha abriram o evento. Thais ressaltou os chamados “diálogos para a Bioeconomia Regenerativa” compostos pela Bioeconomia que é o território, a Biorregião que é uma escala e os BioHubs que são os catalizadores dos processos. Natasha contou que o projeto Euroclima atende 33 países da América Latina e Caribe e que pretende apoiar a socioeconomia, através do desenvolvimento com baixa emissões, promovendo assim a Bioeconomia. Iniciativa que inclui o fortalecimento dos BioHubs da baía de Guanabara. Thiago ressaltou a importância de se viabilizar as SbN e de promover a socioeconomia regional através da “lógica regenerativa”.

    A primeira mesa intitulada “Bioeconomia: Exemplos de Soluções Baseadas na Natureza para a Baía de Guanabara” trouxe trabalhos consolidados que acontecem na região. Nicolas Locke da Reserva Ecológica do Guapiaçu (REGUA) descreveu algumas atividades da instituição, como a restauração florestal e o turismo internacional, constituindo formas de desenvolvimento da bioeconomia e de utilização de SbN. Afirmou que plantaram mais de 800 mil árvores e que receberam mais de 7 mil visitantes. Citou também as pesquisas e os cursos que sempre acontecem na REGUA. A subsecretária de Recursos Hídricos e Sustentabilidade da Secretaria do Estado do Ambiente e Sustentabilidade (SEAS), Ana Asti, disse que “quem produz água é floresta” e descreveu o programa de Segurança Hídrica em andamento. A primeira fase de diagnóstico encontra-se pronta e, para a etapa de implantação inicializada, as SbN serão cruciais. Ana destacou que foram mapeadas 550 mil áreas prioritárias para a restauração e que o objetivo é ter 40% de Mata Atlântica recuperada no Estado do Rio de Janeiro em 30 anos. Afirmou que, além da baía de Guanabara, estão previstos investimentos para a baía de Sepetiba e da Ilha Grande. Pedro Belga, do Projeto Guardiões do Mar, ressaltou a importância das pessoas que vivem nos ambientes e destacou a população que vive nos manguezais e depende diretamente deste ecossistema. “Temos que reconhecer os povos tracionais”, defendeu. Citou a necessidade de investirmos na formação de redes e que, necessariamente, incluam pescadores tracionais, caranguejeiros, quilombolas e pequenos produtores rurais. Luiza Pacheco de Faria, do Caminhos do Recôncavo da Baía de Guanabara, é fotógrafa e bióloga, e falou da necessidade de conhecermos e promovermos a história da região, que, segundo ela, é extremamente rica e desconhecida. Defendeu um “Novo Olhar para a Baixada”, como local de oportunidades turísticas e agroecológicas. A primeira mesa foi medida por Katie Weintraub do sinal do Vale.

    A temática da segunda rodada foi “Paisagem, Cultura e História como principais facilitadores da Bioeconomia Regenerativa” com mediação de Thiago da Fundação Grupo O Boticário. O Historiador Dr. Philippe Moreira argumentou que a história impactou de forma acentuada a paisagem da região do recôncavo da baía de Guanabara e formou diversas territorialidades. Ressaltou a relevância dos processos históricos que impactaram diretamente os corpos hídricos e falou da contribuição dos quilombolas para a preservação ambiental e cultural da região. O gestor do Parque Barão de Mauá, localizado nos manguezais de Magé, Arthur Nóbrega, lembrou do vazamento da Refinaria Duque de Caxias (REDUC) de 2000 e do estrago que causou na baía de Guanabara. A região onde fica o parque estava totalmente degradada e um projeto de recuperação retirou o lixo e plantou mais de 30 mil mudas de manguezal. Hoje o parque tem tudo para tornar-se um importante polo turístico, com torre para observação de pássaros e trilha suspensa sobre o mangue. A recuperação da área, também beneficiou a pesca artesanal. O secretário de meio ambiente de Magé, Carlos Henrique Rios Lemos, mais conhecido como Boneco, disse que o mais importante do seu trabalho é o convívio com a população local e engrandeceu os mais de 450 anos de história de Magé. “O progresso do Brasil passou por Magé, mas não ficou”, afirmou, ao referir-se do pouco que o município foi realmente beneficiado por ter sido o local onde iniciou-se as pesquisas dos naturalistas (como Von Marthius e Langsdorff), a ferrovia e a industrialização do país. Vitória Holz, Analista de Desenvolvimento Científico do Instituto de Desenvolvimento e Gestão (IDG), resgatou a história dos Tupinambás que habitavam a região da baía de Guanabara. Disse que os povos originários consideravam o local um verdadeiro paraíso “com abundância de rios, mangues, fauna, flora e uma beleza exuberante”. Ela defendeu o fortalecimento das tradições históricas e da cultura local, como essenciais para o processo de desenvolvimento da bioeconomia.

    Thais, do Sinal do Vale, facilitou a última rodada com o tema: Diálogos: Economia Regenerativa Inclusiva, Destaques dos participantes dos Diálogos da Bioeconomia do SINAL. Margareth Kelly Souza– Coordenadora Regional do SEBRAE, enfatizou que a região do recôncavo da baía de guanabara caracteriza-se por pequenos negócios e que oferece espaço para muitas novas oportunidades de negócios. “Trata-se de uma região pungente que as pessoas precisam conhecer”, destacou. Lennon Medeiros,Fundador e CEO da VisaoCoop, destacou a necessidade da mobilização das periferias e do papel da informação. Falou de sua origem de Queimados e do estigma da Baixada como local apenas de violência e desastres. Segundo ele, as ferramentas digitais podem ajudar muito no fortalecimento da região – seu potencial econômico e cultural. Valdirene Couto, liderança do Quilombo do Feital em Magé, ressaltou a importância dos povos que construíram o país, como os escravizados, trazidos da África, e que resistiram nos quilombos da baía de Guanabara. Falou do movimento “Nós da Guanabara” que une quilombolas, pescadores artesanais, caranguejeiros e agricultores familiares da região. Defendeu a relevância do turismo de base comunitária, em que a cultura local e as atividades econômicas tradicionais e sustentáveis são fortalecidas. Rafael Santos, da Associação de Caranguejeiros e Amigos do Mangue de Magé, disse que é da quarta geração de pescadores da baía de Guanabara e que as políticas públicas precisam enxergar mais as contribuições e os saberes dos povos tracionais: “são os verdadeiros guardiões da natureza, porque dependem dela para a sobrevivência”, afirmou. Finalmente, Denise Tarin, procuradora de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) argumentou que “o princípio maior é a vida” e que temos que “agir com o coração”. Terminou citando o Artigo 3º da Constituição de 1988 que afirma que “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Através da inclusão dos movimentos sociais e dos povos tracionais nas diversas Soluções baseadas na Natureza, presentes em várias tecnologias sociais que estão sendo desenvolvidas na região, temos esperança que, finalmente, teremos um recôncavo da baía de Guanabara sendo referência mundial de justiça socioambiental e de ambientes preservados com atividades sustentáveis.

    Texto e fotos: Francisco Pontes de Miranda Ferreira