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Sua Solidão Pós-Like Tem Cura: A Resposta Está em Filósofos de 2.000 Anos, Não no Próximo Story

    Por Francisco Pontes de Miranda Ferreira¹

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    Introdução: O Paradoxo da Conexão

    Há uma angústia peculiar em nosso tempo: a de se sentir profundamente só em meio a uma avalanche de conexões digitais. É aquele sentimento que surge no silêncio do quarto, iluminado apenas pela tela do celular, enquanto rolamos o feed em busca de algo que nunca chega — um “scroll infinito por um contentamento que nunca se realiza”.

    Vivemos o paradoxo de estarmos mais conectados e, ao mesmo tempo, mais isolados do que nunca.

    Mas e se a resposta para essa dor não estivesse em um novo aplicativo, e sim em ideias forjadas muito antes do primeiro modem? Duas filosofias antigas, o Estoicismo e o pensamento de Arthur Schopenhauer, oferecem um antídoto surpreendente para essa angústia moderna. Elas propõem uma revolução na maneira como enxergamos a solidão e o vazio existencial.

    As Redes Não Inventaram a Solidão, Apenas Deram a Ela um Novo Palco

    É tentador culpar a tecnologia por nosso mal-estar, mas a verdade é que o individualismo e o isolamento são problemas que antecedem em muito a internet. No entanto, a cultura digital aprofundou essas feridas.

    Como aponta o filósofo contemporâneo Byung-Chul Han, vivemos em uma “Sociedade do Cansaço”, onde a pressão por performance e autoexposição exacerba nossas ansiedades.

    A Perspectiva dos Antigos sobre a Validação Externa:

    • Para os Estoicos: A busca incessante por validação externa (likes, comentários, compartilhamentos) se transforma em um “indiferente” moderno. Um “indiferente” é qualquer coisa externa ao nosso caráter e à nossa capacidade de escolha, como reputação, saúde ou riqueza. Ao basearmos nossa paz de espírito nessas coisas voláteis, entregamos nosso bem-estar a um algoritmo, desperdiçando a energia que poderia ser usada para fortalecer nossa integridade.
    • Para Schopenhauer: O “scroll infinito” é a manifestação perfeita de sua ideia de “Vontade“. A Vontade é um desejo cego e insaciável que nos impulsiona de um anseio a outro, sem nunca encontrar satisfação.

    Essa perspectiva muda nosso foco de maneira radical: o problema não é a ferramenta, mas um dilema profundamente humano que a ferramenta apenas exacerba.

    A Solidão Pode Ser Seu Ateliê, Não Sua Prisão

    Tanto o Estoicismo quanto Schopenhauer reconhecem a solidão como parte inevitável da condição humana. A diferença crucial está em como eles nos ensinam a encará-la:

    • O Estoicismo e a Oportunidade: Longe do ruído das opiniões alheias, a solidão se torna um espaço para a autossuficiência. É um “ateliê” onde podemos nos concentrar no que está verdadeiramente sob nosso controle: nossos julgamentos e nosso caráter. É no silêncio que esculpimos a nós mesmos.
    • Schopenhauer e a Aceitação: Sua visão é mais sombria—estamos essencialmente sozinhos em um mundo movido por sofrimento. No entanto, ao aceitar essa solidão fundamental, ela deixa de ser uma prisão para se tornar “o palco privilegiado para essa contemplação salvadora” que a arte proporciona.

    Em ambos os casos, a solidão deixa de ser um vazio a ser preenchido a qualquer custo e se transforma em um espaço de trabalho interior.

    A Arte é o Antídoto — Mas Não Apenas a Que Está nos Museus

    Se a solidão é o campo de trabalho, a arte é a ferramenta mais poderosa.

    Para Schopenhauer, a Arte como Refúgio:

    A experiência artística oferece uma libertação temporária da tirania da Vontade.

    • Nenhuma forma de arte faz isso de maneira mais pura e direta do que a música.
    • Ao contemplar uma obra, transcendemos nosso eu individual e egoísta para nos tornarmos, por um momento, um observador desinteressado do mundo.
    • Nesse estado, nos tornamos “sujeito puro do conhecimento“, encontrando um refúgio de serenidade em meio ao caos da existência.

    Para os Estoicos, a Arte de Viver:

    Os estoicos expandem radicalmente o conceito de arte: a maior obra de arte é a própria vida.

    • A “arte de viver” é a prática diária de agir com virtude e razão, independentemente das circunstâncias externas.
    • Criar uma vida bela em sua coerência moral, mesmo diante da perda ou da injustiça, é a forma mais elevada de expressão artística.
    • Essa ideia transforma a arte de uma atividade de museu para uma prática diária de resistência ao caos.

    A Verdadeira Luz Nasce do Confronto com a Escuridão

    Aqui, os dois caminhos convergem: a sabedoria não está em evitar a “escuridão” — seja a solidão, o sofrimento ou os eventos fora do nosso controle — mas na forma como nos posicionamos diante dela.

    Enquanto as redes sociais nos convidam a criar uma “iluminação artificial” (curando uma imagem perfeita e buscando aprovação externa), essas filosofias propõem o caminho inverso: o retorno ao interior.

    Práticas Concretas do Retorno Interior:

    • Estoicismo: Amor Fati: É a arte de amar nosso destino, aceitando cada evento não como bom ou mau, mas como matéria-prima para forjar o caráter.
    • Schopenhauer: Compaixão e Ascese: São os caminhos para silenciar a Vontade, diminuindo o ego para nos conectarmos com o sofrimento universal e, assim, encontrarmos paz.

    A verdadeira luz não vem de um filtro, mas do confronto consciente com nossas próprias sombras.

    Conclusão: Criando Significado no Silêncio

    A resposta para a alienação digital, como sugerem esses gigantes do pensamento, não está em mais conexão externa, mas em uma prática interior consciente e deliberada.

    Trata-se de parar de terceirizar nosso bem-estar para algoritmos e audiências efêmeras e começar a cultivá-lo dentro de nós mesmos. É transformar o vazio em espaço, o silêncio em reflexão e a solidão em autoconhecimento.

    Em um mundo que leiloa nossa atenção a cada segundo, que tipo de arte — a da contemplação serena ou a da vida virtuosa — você escolherá para encontrar sua própria paz?


    ¹Francisco, é Doutor em Ciências do Meio Ambiente, Diretor Interinstitucional do Instituto Tecnoarte e Jornalista.

    Referências

    BAUMAN, Z. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.

    CRITTENDEN, C. The Price of Peace: A Global Market for Attention. Stanford University Press, 2019.

    EPICTETO. Encheiridion (Manual). Tradução: Aldo Dinucci e Alfredo Julien. Ed. Kindle, 2012.

    HAN, B-C. Sociedade do Cansaço. Petrópolis: Vozes, 2015.

    LIPOVETSKY, G. A Era do Vazio: ensaios sobre o individualismo contemporâneo. Lisboa: Edições 70, 2005.

    MARCO AURÉLIO. Meditações. Tradução: Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2019.

    SCHOPENHAUER, A. O Mundo como Vontade e como Representação (Vol. 1). São Paulo: Unesp, 2005. (Original publicado em 1818, com segunda edição em 1844).

    SCHOPENHAUER, A. Parerga e Paralipomena (Vol. 1). São Paulo: Nova Cultural, 2001. (Original publicado em 1851).

    TURKLE, S. Alone Together: Why We Expect More from Technology and Less from Each Other. New York: Basic Books, 2011.