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Terras Raras e Minerais Críticos: Os Pilares do Mundo Pós-Moderno

    Francisco Pontes de Miranda Ferreira¹


    Em um cenário global cada vez mais moldado pela tecnologia e pela transição energética, dois conceitos emergem como protagonistas nos debates geopolíticos e econômicos: terras raras e minerais críticos. Apesar do nome, as terras raras não são exatamente escassas na crosta terrestre. O que as torna “raras” é a dificuldade de encontrá-las em concentrações economicamente viáveis e, sobretudo, o alto custo e complexidade de separação e processamento. Já os minerais críticos são definidos estrategicamente por países e blocos econômicos — como os EUA e a União Europeia — como insumos essenciais à segurança nacional e à economia, mas cuja cadeia de suprimentos é vulnerável a interrupções geopolíticas, monopólios e impactos ambientais.

    Esses elementos são a base física da revolução tecnológica que vivemos. Estão presentes em praticamente todos os dispositivos de ponta: ímãs superpotentes de turbinas eólicas, motores de carros elétricos, discos rígidos, telas de smartphones e TVs, catalisadores industriais e muito mais. Entre os 17 elementos que compõem as terras raras, destacam-se o neodímio, disprósio, európio, ítrio, cério e lantânio. Outros minerais críticos como lítio, cobalto, grafite e nióbio também são indispensáveis. Sem eles, não há transição para uma economia de baixo carbono — nem manutenção da produção tecnológica e militar de ponta.

    🗺️ O tabuleiro geopolítico dos recursos

    A geografia das reservas é um fator decisivo. A China domina o setor, não necessariamente pelas maiores reservas brutas, mas pelo controle quase absoluto do processamento e refino — cerca de 70% a 80% do fornecimento global. Suas principais operações estão na Mongólia Interior (Bayin Obo, a maior mina do mundo) e em províncias do sul como Jiangxi. Vietnã e Rússia possuem grandes reservas, mas com capacidade de produção limitada. O Brasil (Catalão-GO e Seis Lagos-AM) e a Índia também figuram como detentores relevantes.

    Quando ampliamos o olhar para outros minerais críticos, o mapa se diversifica: o Congo domina o cobalto, Chile e Austrália lideram no lítio, e o Brasil detém mais de 90% das reservas mundiais de nióbio — concentradas em Minas Gerais e no Amazonas.

    🏭 Cadeia produtiva e mercado

    A cadeia global se divide entre mineração/processamento e aplicação final. A gigante estatal chinesa China Northern Rare Earth (Group) High-Tech Co. lidera o setor, seguida por outras empresas chinesas como China Minmetals e Shenghe Resources. Fora da China, destacam-se a australiana Lynas Rare Earths e a americana MP Materials. No nióbio, a brasileira CBMM e a canadense Niobec dominam o mercado.

    Na ponta da utilização, estão as grandes multinacionais da tecnologia e defesa: Apple, Samsung, Tesla, Volkswagen, Vestas, Siemens Gamesa, Lockheed Martin e BAE Systems.

    📈 Finanças, volatilidade e poder

    Essas commodities são ativos estratégicos negociados globalmente. Seus preços são influenciados pela oferta (dominada pela China), pela demanda crescente e por fatores geopolíticos. A China já utilizou o fornecimento de terras raras como ferramenta diplomática, impondo quotas de exportação que geram alta volatilidade nos preços.

    Empresas como Lynas, MP Materials e Tesla têm ações sensíveis a descobertas de novas reservas, avanços em reciclagem, tensões comerciais e mudanças regulatórias. Investidores buscam exposição ao setor por meio de ações ou ETFs temáticos. Para se ter uma ideia, um quilo de neodímio puro pode custar centenas de dólares, enquanto o telúrio pode ultrapassar milhares por quilo.

    ⚠️ Sustentabilidade e contradições

    A dependência global da China cria vulnerabilidades estratégicas para o Ocidente, que busca reorganizar suas cadeias de suprimento com iniciativas de friend-shoring e nearshoring. EUA e Europa investem na reativação de minas e na construção de capacidade própria de processamento — uma etapa altamente poluente, terceirizada à China por décadas.

    Aqui reside um paradoxo: esses minerais são essenciais para uma economia “verde”, mas sua extração e processamento geram rejeitos tóxicos e radioativos. A corrida por esses recursos ameaça replicar modelos extrativistas predatórios em novos territórios, como o fundo do mar.

    🌱 Para além da geologia: uma ontologia relacional

    A discussão sobre terras raras e minerais críticos transcende a geologia e o mercado. Ela revela as contradições do nosso tempo, onde o caminho para um futuro sustentável é pavimentado por práticas que, muitas vezes, são insustentáveis. É preciso enxergar essa realidade sob uma perspectiva mais ampla — uma ontologia relacional que supere o dualismo sociedade-natureza.

    Sob o olhar do mais-do-que-humano, a extração desses recursos coconstrói territorialidades híbridas, onde rios contaminados, solos degradados, comunidades impactadas e os próprios minerais — com suas propriedades únicas — entrelaçam-se com interesses globais. A dependência desses elementos expõe não apenas vulnerabilidades estratégicas, mas também a profunda interdependência entre humanos e não-humanos.

    É urgente transcender a lógica extrativista que nos aprisiona. Precisamos de um novo paradigma civilizacional que valorize a regeneração sobre a exploração, a suficiência sobre o excesso e o bem-estar coletivo sobre o acúmulo individual. Que substitua a aceleração produtivista por uma existência mais consciente, integrada — não apenas mais sustentável, mas também mais humana, significativa e verdadeiramente feliz.


    ¹Doutor e pós-doutor em Ciências do Meio Ambiente, jornalista e Diretor de Relações Interinstitucionais do Instituto Tecnoarte.